Que futuro para os aerogeradores em Portugal?
20 abril 2020Artigo de José Carlos Matos, diretor da área de Energia Eólica do INEGI, e Filipa Magalhães, consultora sénior. Originalmente publicado na 41ª edição da Renováveis Magazine.

Durante a próxima década, Portugal terá uma grande parte dos seus ativos eólicos a atingir os 20 anos de idade, uma realidade já presente em alguns países europeus, como a Alemanha, Espanha e Dinamarca. Que opções existem após os 20 anos de operação para os quais foram dimensionados?
1) estende-se a vida destes aerogeradores por mais uns anos (acautelando-se as questões relacionadas com a segurança) e, se necessário, trocam-se alguns dos seus componentes?
2) substituem-se estes aerogeradores por outros de tecnologia mais recente, eventualmente até com maior capacidade geradora?
3) ou desativa-se totalmente o parque eólico?
São estas as opções que qualquer investidor colocará em cima da mesa. Importa, no entanto, ter presente que Portugal assumiu compromissos ambiciosos, que se encontram refletidos no Plano Nacional Energia-Clima (PNEC) 2030, e é urgente definir quais serão as regras do jogo para os atingir, sendo nesse contexto que as decisões serão tomadas.
Antes de prosseguir, importa salientar que a vida útil de um aerogerador é definida normativamente como sendo de 20 anos face a condições muito bem tipificadas. Um determinado aerogerador dimensionado para suportar um determinado regime de ventos pode ter uma vida útil inferior ou superior aos referidos 20 anos (ou 25 anos, valor que alguns fabricantes têm vindo a adotar), se o regime de ventos a que for efetivamente sujeito for mais ou menos exigente que o definido nas condições de projeto. Posto isto, importa também salientar que embora o aerogerador seja de um ponto de vista normativo e para o efeito em causa tratado como todo, é composto por diferentes componentes, cuja durabilidade não só é fortemente dependente das cargas a que está sujeito, mas poderá ser alvo, também, de especificidades contratuais.
É neste contexto que, no que diz respeito à extensão de vida dos aerogeradores, apesar de ser ainda uma temática que suscita muitas questões no sector, a IEC – International Electrotechnical Commission criou em 2018 um grupo de trabalho dedicado à uniformização de algumas práticas já existentes em alguns países europeus. O grupo de especialistas, que conta também com a participação de Portugal, prevê a publicação de uma especificação técnica (TS IEC 61400-28 – Through life management and life extension of wind power assets) nos próximos 2 anos.
Ainda assim, mesmo que a decisão passe por "prolongar” a vida dos aerogeradores, chegará inexoravelmente um momento em que estes terão que ser substituídos ou totalmente desativados. E o que fazer a seguir?
Não existe ainda em Portugal uma estratégia definida e alinhada no setor, no que diz respeito aos diversos impactos decorrentes da desativação de um aerogerador. A nível europeu, o setor tem estado atento e tem trabalhado no sentido de definir um ciclo de vida sustentável para os diversos materiais resultantes do fim de vida destes equipamentos.
Atualmente, a taxa de reciclagem de um aerogerador encontra-se entre os 85 e 90%, segundo dados da Wind Europe, onde se incluem a torre, partes da fundação, alguns componentes da caixa de engrenagem (quando existente) e o gerador.
O principal desafio do setor está nas pás, nomeadamente na sua recolha, no transporte para local adequado e na gestão do destino final dos resíduos. Estas dificuldades decorrem, por um lado, das proporções das pás (atingem hoje dimensões de dezenas de metros de comprimento) e, por outro, dos tipos de materiais que as compõem (maioritariamente, fibra de vidro e resinas).
Até à data, a preocupação do sector tem estado centrada na produção de pás cada vez mais leves e de maior dimensão, sendo para tal introduzidos nos seus ciclos produtivos materiais com taxas de reciclabilidade tendencialmente mais baixas. Apesar de se tratar de um esforço meritório, não constitui solução para as pás dos aerogeradores atualmente em operação cujo destino mais comum tem sido o aterro.
Salienta-se ainda que a utilização mais recente de betão na construção das torres de suporte das máquinas implicará novos desafios num futuro não muito distante – a instalação de torres híbridas massificou-se em Portugal a partir do final da primeira década do século XXI. Trata-se, em todo o caso, de um desafio partilhado com inúmeros setores que utilizam o cimento na sua atividade.
No futuro, as soluções passarão por estender a vida dos aerogeradores ao máximo e pela alteração dos processos produtivos das pás, incorporando novas matérias-primas com taxas de reciclagem mais elevadas e de maior durabilidade. Também aqui, o conceito de economia circular, agora muito em voga, faz todo o sentido. A exploração de mercados secundários será uma das alternativas para os aerogeradores que ainda estão aptos para produção, retardando assim a sua desativação.
É, em todo o caso, um erro pensar que este tema é para se tratar num futuro algo distante: uma das grandes prioridades de curto-prazo (2020- 2022) da Comissão Europeia no que diz respeito à inovação e investigação será a reciclagem das pás e, a médio prazo (2025-2027), o desenvolvimento de metodologias de reciclagem de materiais e componentes (ETIPWInd Roadmap).
Todos devem ser chamados a esta discussão que agora surge no nosso país: "Qual o futuro dos aerogeradores em Portugal?”. É chegado o momento para os vários intervenientes, diretos e indiretos, discutirem soluções e apontarem caminhos, no sentido de alcançamos a sustentabilidade económica, ambiental e social. Talvez assim, Portugal encontre uma nova participação na cadeia de valor deste novo paradigma económico.
Foto: Benjamin Rasmussen / Bloomberg Green

Durante a próxima década, Portugal terá uma grande parte dos seus ativos eólicos a atingir os 20 anos de idade, uma realidade já presente em alguns países europeus, como a Alemanha, Espanha e Dinamarca. Que opções existem após os 20 anos de operação para os quais foram dimensionados?
1) estende-se a vida destes aerogeradores por mais uns anos (acautelando-se as questões relacionadas com a segurança) e, se necessário, trocam-se alguns dos seus componentes?
2) substituem-se estes aerogeradores por outros de tecnologia mais recente, eventualmente até com maior capacidade geradora?
3) ou desativa-se totalmente o parque eólico?
São estas as opções que qualquer investidor colocará em cima da mesa. Importa, no entanto, ter presente que Portugal assumiu compromissos ambiciosos, que se encontram refletidos no Plano Nacional Energia-Clima (PNEC) 2030, e é urgente definir quais serão as regras do jogo para os atingir, sendo nesse contexto que as decisões serão tomadas.
Antes de prosseguir, importa salientar que a vida útil de um aerogerador é definida normativamente como sendo de 20 anos face a condições muito bem tipificadas. Um determinado aerogerador dimensionado para suportar um determinado regime de ventos pode ter uma vida útil inferior ou superior aos referidos 20 anos (ou 25 anos, valor que alguns fabricantes têm vindo a adotar), se o regime de ventos a que for efetivamente sujeito for mais ou menos exigente que o definido nas condições de projeto. Posto isto, importa também salientar que embora o aerogerador seja de um ponto de vista normativo e para o efeito em causa tratado como todo, é composto por diferentes componentes, cuja durabilidade não só é fortemente dependente das cargas a que está sujeito, mas poderá ser alvo, também, de especificidades contratuais.
É neste contexto que, no que diz respeito à extensão de vida dos aerogeradores, apesar de ser ainda uma temática que suscita muitas questões no sector, a IEC – International Electrotechnical Commission criou em 2018 um grupo de trabalho dedicado à uniformização de algumas práticas já existentes em alguns países europeus. O grupo de especialistas, que conta também com a participação de Portugal, prevê a publicação de uma especificação técnica (TS IEC 61400-28 – Through life management and life extension of wind power assets) nos próximos 2 anos.
Ainda assim, mesmo que a decisão passe por "prolongar” a vida dos aerogeradores, chegará inexoravelmente um momento em que estes terão que ser substituídos ou totalmente desativados. E o que fazer a seguir?
Não existe ainda em Portugal uma estratégia definida e alinhada no setor, no que diz respeito aos diversos impactos decorrentes da desativação de um aerogerador. A nível europeu, o setor tem estado atento e tem trabalhado no sentido de definir um ciclo de vida sustentável para os diversos materiais resultantes do fim de vida destes equipamentos.
Atualmente, a taxa de reciclagem de um aerogerador encontra-se entre os 85 e 90%, segundo dados da Wind Europe, onde se incluem a torre, partes da fundação, alguns componentes da caixa de engrenagem (quando existente) e o gerador.
O principal desafio do setor está nas pás, nomeadamente na sua recolha, no transporte para local adequado e na gestão do destino final dos resíduos. Estas dificuldades decorrem, por um lado, das proporções das pás (atingem hoje dimensões de dezenas de metros de comprimento) e, por outro, dos tipos de materiais que as compõem (maioritariamente, fibra de vidro e resinas).
Até à data, a preocupação do sector tem estado centrada na produção de pás cada vez mais leves e de maior dimensão, sendo para tal introduzidos nos seus ciclos produtivos materiais com taxas de reciclabilidade tendencialmente mais baixas. Apesar de se tratar de um esforço meritório, não constitui solução para as pás dos aerogeradores atualmente em operação cujo destino mais comum tem sido o aterro.
Salienta-se ainda que a utilização mais recente de betão na construção das torres de suporte das máquinas implicará novos desafios num futuro não muito distante – a instalação de torres híbridas massificou-se em Portugal a partir do final da primeira década do século XXI. Trata-se, em todo o caso, de um desafio partilhado com inúmeros setores que utilizam o cimento na sua atividade.
No futuro, as soluções passarão por estender a vida dos aerogeradores ao máximo e pela alteração dos processos produtivos das pás, incorporando novas matérias-primas com taxas de reciclagem mais elevadas e de maior durabilidade. Também aqui, o conceito de economia circular, agora muito em voga, faz todo o sentido. A exploração de mercados secundários será uma das alternativas para os aerogeradores que ainda estão aptos para produção, retardando assim a sua desativação.
É, em todo o caso, um erro pensar que este tema é para se tratar num futuro algo distante: uma das grandes prioridades de curto-prazo (2020- 2022) da Comissão Europeia no que diz respeito à inovação e investigação será a reciclagem das pás e, a médio prazo (2025-2027), o desenvolvimento de metodologias de reciclagem de materiais e componentes (ETIPWInd Roadmap).
Todos devem ser chamados a esta discussão que agora surge no nosso país: "Qual o futuro dos aerogeradores em Portugal?”. É chegado o momento para os vários intervenientes, diretos e indiretos, discutirem soluções e apontarem caminhos, no sentido de alcançamos a sustentabilidade económica, ambiental e social. Talvez assim, Portugal encontre uma nova participação na cadeia de valor deste novo paradigma económico.
Foto: Benjamin Rasmussen / Bloomberg Green