Economia Circular dos Materiais Compósitos: transformar desperdício em oportunidade
11 maio 2021Artigo de João
Silva e Rui Mendes, gestores de projeto.
Os compósitos reforçados com fibras têm um importante papel na sustentabilidade e eficiência energética a nível mundial1, 2. São o material de eleição para produzir estruturas complexas aeroespaciais, automóveis, marítimas, entre outras, pois, fruto do alto desempenho estrutural e baixo peso, permitem que os veículos consumam menos combustível.
Contudo, ironicamente, a sustentabilidade ambiental dos materiais compósitos em si ainda é um desafio, devido à dificuldade de reciclar e reutilizar os seus componentes, quando os produtos chegam ao fim da sua vida útil.
Os resíduos dos materiais compósitos - sendo materiais híbridos constituído por fibras e matriz polimérica - não se enquadram numa categoria específica de resíduo na legislação europeia atual, o que dificulta o tratamento destes resíduos. As soluções para a reciclagem dos resíduos dos materiais compósitos, por consequência, não são uniformes, tornando o processo de reciclabilidade muito mais árduo.
A substituição das matrizes termoendurecíveis por termoplásticas é uma solução emergente que terá um impacto significativo na reciclabilidade destes materiais. Contudo, o setor industrial ainda está numa fase de adaptação dos seus processos para utilizar este tipo de matriz 1, 2.
Reciclagem de materiais compósitos é oportunidade com valor acrescentado
Atualmente existem toneladas de produtos com polímeros reforçados com fibras (FRP) a alcançar o fim da sua vida útil (i.e.: automóveis, aviões, pás eólicas, barcos, etc.), a par de resíduos resultantes da sua produção. Estes materiais devem ser tratados de forma inteligente, não só porque a legislação, cada vez mais restritiva a nível ambiental, o impõe, mas também porque reduzir o seu impacto é importante para alcançar um nível de sustentabilidade viável 1, 2.
Hoje em dia, os compósitos podem ser reciclados de 3 maneiras distintas: por via mecânica (trituração do compósito para depois este ser utilizado como um agregado), química (separação da matriz da fibra, sendo possível recuperar a fibra e por vezes a matriz) e térmica (separação da matriz da fibra, recuperando apenas a fibra) 3,4,5.
As fibras recicladas criam novas oportunidades, nomeadamente para as fibras de carbono, pois os seus preços são mais competitivos quando comparados com fibras virgens, tendo propriedades similares. Torna-se assim possível criar produtos a preços acessíveis, abrindo caminho ao uso destas fibras em produtos destinados a outros mercados, além do setor de luxo ou alto desempenho.
Tornar isto realidade, porém, depende ainda da criação de legislação uniforme, para garantir fluxos de resíduos, triagem e tratamentos eficientes. É também necessário ganhar a confiança dos consumidores. Apesar da apreciação geral pelos méritos ambientais, o uso de matérias-primas recicladas nem sempre é suficiente para convencer o consumidor da qualidade do produto 4, 5, 6. Razão pela qual é importante padronizar propriedades comerciais e criar fichas técnicas, para assim ser possível realizar testes e simulações, aumentando a confiança dos projetistas e dos consumidores.
Para tal a comunidade científica tem um papel fulcral, no que diz respeito à difusão de estudos sobre a combinação otimizada das fibras recicladas com matrizes mais sustentáveis para a produção de compósitos à escala industrial.
Inovação no INEGI está alinhada com prioridades ambientais das empresas
Reduzir a pegada ecológica é uma prioridade para vários setores e, em linha com esta necessidade, também o INEGI tem colaborado no desenvolvimento de soluções em materiais compósitos com fibras recicláveis.
A reutilização e reciclagem de fibras de vidro e de carbono, em particular, já foi foco de vários projetos. Para a indústria aeronáutica, estamos a desenvolver componentes compósitos de matriz termoplástica reforçada com fibra de carbono, através da valorização máxima de "resíduos industriais” e com menor recurso a matérias-primas virgens.
A reciclagem também é central ao desenvolvimento de novos produtos, como comprova a nossa colaboração com a ALTO - Perfis Pultrudidos, no desenvolvimento de um protótipo de um gradil de sarjeta obtido a partir de fibra de vidro reciclada proveniente de desperdícios do processo de pultrusão em operação nesta empresa.
Reaproveitar matéria prima, criar novos produtos a partir do que seria considerado desperdício, e ao mesmo tempo modernizar os modelos industriais, é a nossa visão para criar uma economia circular dos materiais compósitos.
Referências
[1] A. Lefeuvre, S. Garnier, L. Jacquemin et al., "Anticipating in-use stocks of carbon fibre reinforced polymers and related waste generated by the wind power sector until 2050,” Resources, Conservation and Recycling, vol. 141, pp. 30-39, 2019.
[2] P. Liu, C.Y. Barlow, "Wind turbine blade waste in 2050”, Waste Management, vol. 62, pp. 229-240, 2017
[3] J. Rybicka et al., "Technology readiness level assessment of composites recycling technologies”, Journal of Cleaner Production 112 (2016) 1001-1012
[4] 10 M. K. Hagnell, and M. Åkermo, "The economic and mechanical potential of closed loop material usage and recycling of fibre-reinforced composite materials,” Journal of Cleaner Production, vol. 223, pp. 957-968 (2019).
[5] G. Oliveux et al., "Current status of recycling of fibre reinforced polymers: Review of technologies, reuse and resulting properties”, Progress in Materials Science vol. 72, pag. 61-99 (2015)
[6] P. Anh Vo Dong et al., "Economic and environmental assessment of recovery and disposal pathways for CFRP waste management”, Resources, Conservation and Recycling, vo. 133, pag. 63-75 (2018)