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É crucial criar cadeias de valor circulares

13 dezembro 2021

Artigo de Ana Ramos e Viviana Correia Pinto, gestoras de projeto e investigadoras em Economia Circular no INEGI


Este texto podia começar por enquadrar o estado de emergência climática, o uso intensivo, pouco eficiente e inconsequente dos recursos planetários naturais que nos trouxe à atual crescente escassez de recursos, aos alarmantes níveis de poluição e emissões de gases com efeito de estufa. Mas o que dizer sobre a crise climática que já não foi dito?

No rescaldo do COP 261, em que reinaram os frágeis compromissos e as promessas de «metas mais ambiciosas», cresce o pessimismo da sociedade, e por boa razão. Mais do que palavras, precisamos de soluções.

A indústria tem um papel fundamental a desempenhar neste momento de viragem, uma vez que 45% de emissões mundiais estão associadas ao fabrico de produtos, e para garantir a simultânea recuperação da economia, é imperativo adotar estratégias verdadeiramente disruptivas.

Isto significa, em parte, um efetivo compromisso para com a economia circular, como modelo de desenvolvimento sustentável assente na redução, reutilização, recuperação, regeneração e reciclagem de recursos. É uma reestruturação significativa da lógica produtiva, que obriga a um pensamento sistémico no que respeita aos processos que existem desde que surgiu a 1ª revolução industrial – mas que apresenta benefícios significativos.

Não é fácil comparar a plena economia circular, ao atual cenário de «extrair – produzir – usar – descartar». Mas uma coisa é certa - o desperdício é um problema endémico na nossa economia, com elevadas perdas monetárias. Basta considerar, por exemplo, que na Europa 31% dos alimentos são desperdiçados ao longo da cadeia de valor2. Ou que 10-15% dos materiais são desaproveitados durante construções. Ou até que 20-40% da energia em edifícios poderia ser conservada ou reaproveitada de forma lucrativa2. Ou ainda que, dos resíduos plásticos que foram recolhidos na União Europeia para tratamento em 2018, apenas 32.5% foram reciclados3.

Hoje, a economia global é apenas 8,6% circular, no entanto há dois anos era 9,1%3. Esta tendência explica-se pelas ainda altas taxas de extração, pelo contínuo aumento na acumulação de stocks e pelos níveis crescentes, mas ainda reduzidos, de processamento no fim de uso dos produtos e de reciclagem4.

Em previsões para 2030 traçadas pela Fundação Ellen MacArthur para a Europa, a abordagem circular traduzir-se-ia em 1,8 triliões/ano em ganhos económicos, menos 48% de emissões de CO2, e 700 mil postos de trabalho criados5. É, por isso, urgente passarmos da fase de ideação para a aceleração e concretização.

O momento de mudança é agora. A União Europeia assumiu o desenvolvimento e implementação de uma economia sustentável como um objetivo, pelo que a transformação das empresas é suportada por planos de ação a nível nacional e europeu, com instrumentos financeiros específicos, incluindo as oportunidades do plano de recuperação e resiliência. A par disto, a UE aprovou o seu maior programa de apoio à investigação e inovação de sempre, com 95,5 mil milhões de euros para apoiar o salto tecnológico necessário.

Soluções para uma economia circular multiplicam-se ao longo da cadeia de valor

Durante a IN Conference INEGI 2021, organizada pelo INEGI no passado dia 21 de outubro, estes temas estiveram em destaque e duas ideias prevaleceram: as soluções para uma economia circular multiplicam-se ao longo da cadeia de valor, e há soluções transversais a todos os setores.

Estender o ciclo de vida dos produtos; reutilizar, reparar, remanufaturar e recondicionar produtos; aplicar conceitos de ecodesign na fase de desenvolvimento; desenvolver e utilizar materiais reciclados, recicláveis e renováveis; criar processos de fabrico mais ecoefetivos; conseguir medir o impacto da circularidade no negócio; implementar novos modelos de negócio circulares; implementar simbioses industriais; e aplicar estratégias digitais orientadas à sustentabilidade. Estas foram algumas das abordagens discutidas, a par de exemplos de boas práticas de empresas bem-sucedidas na aposta na circularidade, e já em transição para a próxima fase de implementação.

A transição para a economia circular assenta, de forma significativa, na implementação de estratégias de inovação tecnológica, pelo que o INEGI atua em várias áreas orientadas potenciadoras desta transição. Estas diferentes áreas podem ser encaradas como estratégia completa – criando o «circulo» ideal – ou individualmente, numa lógica de transição e podendo ser combinadas para criar valor de várias formas. Ora vejamos:



Estratégias circulares

A verdadeira transformação rumo à sustentabilidade começa pelo ADN da empresa, ou seja, com a adoção de modelos de negócio circulares. As estratégias de extensão do ciclo de vida, a reciclagem e valorização de resíduos (e outras abordagens Rs), a simbiose industrial, a desmaterialização, ou a servitização estão entre as apostas que potenciam a proposta de valor.  

Medição de impactos da circularidade

A medição e registo de indicadores de circularidade é essencial para o progresso desta transição, porque a otimização apenas é possível partindo de dados e informação que conseguimos medir e analisar. A avaliação de ciclos de vida (LCA), ciclo de custos, fluxo de materiais e pegada de carbono são metodologias estabelecidas, que permitem mapear e quantificar a ‘pegada ambiental’ de produtos, processos e serviços. Informação que, por sua vez, abre caminho à identificação de oportunidades de melhoria que geram valor e suportam a tomada de decisão.

Produção e produtos circulares

A economia circular implica novas abordagens para toda a cadeia de valor. Na etapa de desenvolvimento de produto, isto significa adotar abordagens de eco-design e começar a pensar na sustentabilidade logo na fase de conceção. Significa também selecionar matérias-primas mais sustentáveis, e até apostar em novos materiais de base reutilizável, reciclada, reciclável, biodegradável ou renovável

Já na produção, a aposta está em diminuir o uso intensivo de energia, processos mais eficientes e ecoefetivos, soluções CCS (captura de CO2), e redução e reutilização de resíduos. Na distribuição, de igual modo, processos logísticos otimizados fazem a diferença. Nas mãos dos utilizadores e consumidores, é também possível potenciar a reutilização e a reparação, e fechar o «círculo» com a reintegração e valorização de resíduos e subprodutos.

Descarbonização e sistemas renováveis

O desenvolvimento e a aplicação de tecnologias para integração direta de energias renováveis em processos industriais, particularmente no que respeita aos processos térmicos, contribui diretamente para a descarbonização da indústria. É um investimento não só em energia limpa, mas também, a longo prazo, em poupanças consideráveis.


 Referências

1 Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021

2 The Circularity Gap Report 2019, Ellen MacArthur Foundation research, WBCSD research, McKinsey research

3 Statista

4 The Circularity Gap Report 2020, Circle Economy

5 Growth Within: A circular economy vision for a competitive Europe, Ellen MacArthur Foundation, SUN, McKinsey & Co., 2015

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