Replicar o Oceano em laboratório para desenvolver tecnologias para o Mar
24 fevereiro 2022Artigo de Diogo Neves, responsável de desenvolvimento de negócio
na área de Tecnologias para o Mar
A simulação numérica e a modelação experimental são ferramentas fundamentais no desenvolvimento científico e tecnológico, pois possibilitam a reprodução de processos e soluções para problemas reais num ambiente digital ou ambiente controlado onde todas as variáveis são mensuráveis e/ou controladas.
Esta capacidade é especialmente importante no desenvolvimento de tecnologias para o mar. Ondas, correntes, vento, sedimentos, e temperatura da água são alguns dos fenómenos físicos e ambientais com que nos deparamos no ambiente marítimo, e a que equipamentos e estruturas com aplicação nos setores das energias renováveis, naval e aquacultura, têm de se adaptar.
Para tal, estudamos o comportamento real de sistemas e processos neste ambiente com a aplicação de métodos de simulação.
Dependendo do tipo de simulações,
estas devem ser acompanhadas de medições, tanto a nível numérico como
experimental, de forma a obter dados suficientes para a comparação e
entendimento dos processos envolvidos. Ao obter o máximo de dados possível,
conseguimos tomar decisões seguras relativamente a processos complexos e de difícil perceção1.
"Vantagens da utilização de métodos de simulação são incontornáveis”
Os métodos de simulação já são há muito usados para prever o comportamento futuro, mas só com o desenvolvimento de novas tecnologias e instrumentação tem sido possível a realização de simulações que alargam os limites do entendimento científico 6, 12. Além disso, há mais de três décadas3, que o desenvolvimento da capacidade de computação tem vindo a reduzir consideravelmente os níveis de custo associados a processos de simulação.
Hoje é possível simular processos físicos que vão desde o nível das partículas mais elementares até processos a uma escala astronómica. Significa isto que as vantagens da utilização de métodos de simulação são, nos dias de hoje, incontornáveis.
A nível industrial todo o desenvolvimento de produto e processos é sujeito a um elevado número de testes, tanto a nível computacional como a nível experimental. Porém, qualquer aplicação de um método de simulação ou uso de ferramenta de simulação computacional tem de ser acompanhado de um entendimento elevado dos processos científicos envolvidos.
Considera-se igualmente que cada
método de simulação deverá ser sempre complementado através da validação e aplicação
de métodos de simulação complementares 10. Como exemplo, o
desenvolvimento de um novo dispositivo mecânico passa por testes de simulação
numérica e por testes de modelação experimental em várias escalas, de forma a
validar e aumentar o grau de confiança nos resultados gerados pelas simulações
numéricas.
Diferentes métodos de análise para diferentes fases do desenvolvimento tecnológico
No âmbito do desenvolvimento das
Tecnologias para o Mar, os especialistas do INEGI utilizam métodos de simulação numérica avançada e de modelação experimental em ambiente laboratorial e ambiente real para projetar e desenvolver soluções ajustadas às necessidades do setor
da economia Azul. Entre
os projetos em carteira, contam o desenvolvimento de tecnologias relativas a energias renováveis
marinhas 2,
11, sistemas de monitorização 4, 5, e a análise de sistemas de
propulsão inovadores9 relativos à dinâmica de amarrações.
O desenvolvimento de produtos e sistemas adequados ao ambiente marinho necessita efetivamente da aplicação de diferentes métodos de simulação que atendam às diversas fases do desenvolvimento tecnológico (TRLs) 14, sendo eles:
Métodos de simulação numérica
Os métodos de simulação numérica são utilizados em diferentes fases do desenvolvimento tecnológico, desde o desenvolvimento do conceito até ao produto final.
A caracterização do local de operação da tecnologia constitui uma das fases fundamentais para o seu desenvolvimento, por via da aplicação de modelos numéricos de advecção e transporte 13 capazes de criar um conjunto de cenários passíveis de serem modelados.
Numa fase de desenvolvimento do projeto e definição do comportamento de estruturas em meio marítimo é, em muitos casos, necessário aplicar modelos complexos que exigem capacidade computacional elevada, como é o caso de modelos CFD (Computational Fluid Dynamics) 4 para simulação de escoamentos e campos de pressão hidrodinâmicos para as diversas fases do sistema (TRL 3-4).
Posteriormente, é natural a avaliação do comportamento estrutural através da aplicação de modelos de elementos finitos (FEM – Finite Element Method), de forma a avaliar seus estados limite e modos de operação, considerando o tipo de material da estrutura em desenvolvimento. Esta última fase de modelação numérica do comportamento estrutural possibilita a fase de teste à escala para validação em ambiente experimental relevante (TRL 5).
Métodos de modelação experimental
Já o comportamento de uma estrutura num meio marítimo pode ser modelado através de metodologias experimentais em ambiente relevante, como os ensaios em tanque que permitem a simulação de cenários realistas à escala8.
Existem metodologias e infraestruturas adequadas a cada tipo de cenário a simular, sejam longos tanques de reboque (towing tanks)7 para simular condições hidrodinâmicas de embarcações, tanques de profundidade baixa para tecnologias aplicadas a estruturas costeiras, tanques de profundidades elevadas para a simulação do comportamento de estruturas offshore, e até canais de onda 2D para os casos de avaliação apenas do comportamento 2D de estruturas. Ainda assim, para tecnologias marítimas é normalmente necessário o teste em mar para um período alargado de tempo para validação da tecnologia6 (TRL > 6).
Este tipo de abordagem integrada, aplicada a diversas áreas do conhecimento, tem um impacto extremamente relevante na obtenção do suporte técnico adequado para o entendimento de processos complexos.
Uma resposta garantida pela engenharia oceânica e naval, para o desenvolvimento de tecnologias verdadeiramente capazes de dar resposta aos desafios da economia azul para um futuro sustentável.
Referências:
[1] - Bokor, Orsolya & Florez-Perez, Laura & Osborne, Allan & Gledson, Barry. (2019). Overview of construction simulation approaches to model construction processes. Organization, Technology and Management in Construction: an International Journal. 11. 1853-1861. 10.2478/otmcj-2018-0018.
[2] – Cestaro, H. (2021). "Conversores híbridos: juntar o melhor de cada tecnologia para aproveitar a energia das ondas do mar”. INEGI (http://www.inegi.pt/pt/noticias/conversores-hibridos-juntar-o-melhor-de-cada-tecnologia-para-aproveitar-a-energia-das-ondas-do-mar/?l=28&s=837)
[3] – Fu M.C., Glover F. W. and April J. (2005). "Simulation optimization: a review, new developments, and applications," Proceedings of the Winter Simulation Conference, 2005., 13 pp.-, doi: 10.1109/WSC.2005.1574242.
[4] – Gonçalves F. (2021) "Observatórios Marinhos: como novas tecnologias contribuem para estudar e proteger a "saúde" dos oceanos”. INEGI (http://www.inegi.pt/pt/noticias/observatorios-marinhos-como-novas-tecnologias-contribuem-para-estudar-e-proteger-a-saude-dos-oceanos/?l=28&s=837).
[5] - Gonçalves F., Gomes M., Mathias N., Morais T., and Ferradosa T., "Numerical modelling of full-scale subsea lander Amalia with in.situ conditions”, In Proceedings of the Institution of Civil Engineers-Maritime Engineering, vol. 173, no. 4, pp. 110-119, 2020.
[6] – Groth M., Xavier W. (2019). "Pushing the limit of quantum transport simulations”. Journal of Phys. Rev. Research, Vol 1-3, 033188, DOI: 10.1103/PhysRevResearch.1.033188.
[7] ITTC – International Towing Tank Association (2021) - https://ittc.info/
[8] – Luan C., Chabaud V., Bachynski E. E., Gao Z., Moan T.. (2017). "Experimental validation of a time-domain approach for determining sectional loads in a floating wind turbine hull subjected to moderate waves”. Energy Procedia, Vol 37, 366-381. https://doi.org/10.1016/j.egypro.2017.10.361.
[9] - Moreira D,, Mathias, N., Morais, T. (2020). "Dual flapping foil system for propulsion and harnessing wave energy: A 2D parametric study for unaligned foil configurations”, Ocean Engineering, 215, 107875, ISSN 0029-8018, https://doi.org/10.1016/j.oceaneng.2020.107875.
[10] – Müller M., Pfahl D. (2008) "Simulation Methods. In engineering: Guide to Advanced Empirical Software Engineering.” Springer, London. https://doi.org/10.1007/978-1-84800-044-5_5
[11] - Oliveira P., Taveira-Pinto F., Morais T., Rosa-Santos P., Experimental evaluation of the effect of wave focusing walls on the performance of the Sea-wave Slot-cone Generator, Energy Conversion and Management 110 (15), pp. 165-175; ISSN 0196-8904 http://dx.doi.org/10.1016/j.enconman.2015.11.071.; 2016.
[12] – Sagan D., Berz M., Cook N.M., Hao Y., Hoffstaetter G., Huebl A., Huang C.-K., Langston, M.H., Mayes C.E., Mitchell C.E., Qiang J., Ryne R.D., Scheinker A., Stern E., Vay J.-L., Winklehner D. and Zhang H.. (2018). "Introduction to Modeling and Simulation Techniques”. The 8th International Symposium on Computational Intelligence and Industrial Applications (ISCIIA2018).
[13] – Svendsen, A (2005). "Introduction to nearshore hydrodynamics”. Advanced Series on Ocean Engineering: Volume 24. World Scientific, https://doi.org/10.1142/5740
[14] – Technology Readiness levels (TRL) for the EU projects (2020) (https://ec.europa.eu/research/participants/data/ref/h2020/wp/2014_2015/annexes/h2020-wp1415-annex-g-trl_en.pdf) European Comission.