Artigo de José Carlos Matos, diretor da área de Energia Eólica, e Filipa Magalhães, consultora sénior no INEGI
O potencial energético de um
parque eólico nem sempre é o mesmo no papel e na realidade. Durante a fase de
projeto, realizam-se estudos e campanhas de medição das caraterísticas
meteorológicas para avaliar o recurso eólico, definir a melhor localização para
os aerogeradores e selecionar a tecnologia mais adequada ao regime de ventos. Afinal,
as estimativas da produção anual de eletricidade são um aspeto crítico para a
tomada de decisão sobre a execução do investimento.
No entanto, durante a operação dos
aerogeradores, nem sempre a produção efetiva de eletricidade corresponde à expectativa inicial do operador. Porquê?
De um modo geral, os potenciais
desvios têm origem nos seguintes aspetos:
- Sobre
estimativa da produção da eletricidade aquando da fase de projeto;
- Variabilidade
temporal do recurso eólico;
- Desempenho
insuficiente da tecnologia.
No que respeita aos 1.º e 2.º motivos,
é adequada, após alguns anos de operação, uma reavaliação das estimativas acompanhadas
de uma comparação com os dados de produção efetiva do parque eólico, ajustando
assim o valor da estimativa a uma expectativa mais realista. Trata-se de um
exercício útil não só na medida que fornece um retrato mais efetivo da
capacidade do parque, tanto em termos passados como em termos futuros, mas
também na medida em que a nova estimativa é acompanhada pela redução da
incerteza que lhe está associada.
Figura 1 – Produtividade de um parque eólico (exemplo fictício)
Em relação ao 3.º aspeto, salienta-se aqui a importância de uma monitorização contínua e avaliação do desempenho dos aerogeradores durante a sua operação, face às condições de vento observadas, com o propósito de prevenir paragens desnecessárias, minimizando as perdas, e maximizando a produção dos mesmos de acordo com o recurso disponível.
Este tipo de acompanhamento permite, por exemplo, detetar casos de desalinhamento dos aerogeradores em relação à direção do vento, sinais de alerta para o desgaste de algum componente, entre outras situações. Com uma análise mais detalhada, é possível categorizar as paragens do aerogerador quanto à sua causa e aferir a perda de produção associada. Esta informação servirá de suporte para a tomada de decisões por parte do operador, no que à operação e manutenção do seu ativo diz respeito.
A origem dos desvios
As causas que poderão estar na origem das perdas de produção de um aerogerador podem ser distribuídas em três grupos principais:
a) origem externa ao parque eólico;
b) origem interna ao parque eólico, mas externa ao aerogerador;
c) causas intrínsecas ao aerogerador.
O primeiro grupo engloba situações excecionais, entre as quais se inclui a indisponibilidade da rede elétrica, devido, por exemplo, a incidentes nas linhas aéreas de média ou alta tensão, avarias na subestação do parque eólico ou, até mesmo, danos nos cabos de ligação do parque à subestação. Também as paragens solicitadas pelo operador ou as condicionantes meteorológicas (parâmetros fora da gama de operação normal do aerogerador) podem ser incluídas neste grupo de fatores externos. Estes eventos podem resultar na paragem total dos aerogeradores durante um certo período de tempo ou, então, na produção condicionada, através da imposição de uma limitação de potência de entrega à rede elétrica por parte do parque eólico como um todo, ou a imposição de uma limitação de potência a um ou mais aerogeradores em particular.
Noutros casos, as imposições do ponto de ligação à rede elétrica e o enquadramento legal poderão limitar o valor de injeção de potência máxima, pelo que alguns parques eólicos terão que operar com uma limitação em relação à potência instalada. Sendo uma condicionante aplicada ao parque eólico, não terá impacto no funcionamento normal do aerogerador, sendo neste caso considerado como um fator externo ao mesmo.
O último grupo referido terá implicações diretas no funcionamento do aerogerador e abarca todos os eventos que afetem a produção do mesmo, como sejam as falhas e problemas decorrentes dos vários sistemas de controlo e segurança do aerogerador e seus componentes.
Abordagens normativas
No passado, o desempenho de um aerogerador era visto pelo setor numa perspetiva de disponibilidade baseada no tempo de operação, contratualmente garantida pelos fornecedores da tecnologia. No entanto, esta avaliação torna-se redutora no sentido em que se baseia apenas no fato de o aerogerador estar apto ou não para gerar energia, ignorando se, quando está em operação, está a gerar efetivamente o que é expectável, tendo em conta o regime de ventos observado.
Com a publicação da série de normas IEC 61400-26, atualizadas em 2019 para a sua versão mais recente através da norma IEC 61400-26-11 , foram definidos os modelos para o cálculo de indicadores de disponibilidade com base no tempo e na produção. Aplicando os princípios desta norma, o INEGI implementou metodologias internas de avaliação de ativos eólicos, recorrendo a indicadores de desempenho de um aerogerador tendo em conta o seu potencial de produção de eletricidade.
Este upgrade na avaliação da disponibilidade, agora em termos de produção, permite ter uma noção mais realista sobre a operação do ativo. Após uma categorização dos eventos, é alocada uma perda de energia estimada aos períodos de operação anómala ou condicionada.
A escolha da metodologia para o cálculo das estimativas poderá depender, entre outros fatores, da fonte de informação disponível:
- apenas dados registados em estação ou estações meteorológicas instaladas no local do parque eólico,
- apenas dados operacionais dos aerogeradores, nomeadamente aqueles que são registados nos sistemas Supervisionary Control and Data Acquisition, comummente conhecidos como sistemas de SCADA,
- ambas as fontes referidas anteriormente ou,
- dados de reanálise atmosférica2.
Realça-se que a metodologia que recorra às fontes 2) ou 3) sugere que o parque eólico não esteve totalmente inoperacional, uma vez que há registos disponíveis no sistema de SCADA. No caso da situação referida em 1), pressupõe-se que o parque terá estado totalmente inoperacional, uma vez que não estão disponíveis os registos do sistema de SCADA. Neste caso, recorre-se aos dados recolhidos em estações meteorológicas, preferencialmente localizadas nas imediações do parque. A fonte de informação referida em 4) será de último recurso, quando nenhuma das outras fontes está disponível.
Todas as metodologias referidas anteriormente pressupõem a existência de um
histórico de operação do parque eólico de, pelo menos, 1 ano, que permitirá estabelecer uma relação entre a produção dos aerogeradores e as condições de vento observadas, como exemplificado na figura 2.
Figura 2 – Relação entre a produção do parque eólico e a velocidade do vento (exemplo fictício)
Desta relação, resultará uma estimativa da produção que não foi gerada pelo aerogerador durante o período considerado e que servirá como input decisivo a diversas situações, como sejam a ativação de seguros por parte do promotor do parque, a otimização da operação dos ativos por parte dos operadores ou simplesmente a monitorização e o acompanhamento do desempenho dos aerogeradores ao longo da sua operação.
A experiência do INEGI
O INEGI está envolvido, desde 2009, na avaliação do desempenho de mais de 800 MW de potência instalada (nacional e internacional), recorrendo a dados operacionais registados nos sistemas de SCADA. Em 2014, o Instituto apresentou ao mercado a plataforma de acompanhamento do desempenho dos aerogeradores – Wind-to Power (W2P), desenvolvida com recursos internos.
Esta ferramenta permite, de uma forma expedita, escrutinar os dados operacionais de cada aerogerador, associando diferentes categorias a cada instante, consoante o modo de operação do aerogerador. Esta categorização inclui, não só os eventos que se referem à indisponibilidade contratual do aerogerador (registados através de erros no sistema de SCADA), mas também a outra causas que de alguma forma afetam a operação do aerogerador, como por exemplo a deteção de gelo ou as limitações de potência que não são impostas pela rede. Desta análise, resulta uma comparação direta entre o número de ocorrências de um evento, a sua duração e a perda de produção estimada que esteve associada a esse evento.
De notar que, dependo da altura em que o evento ocorreu (período com maior ou menor recurso eólico disponível), a sua duração poderá ter maior ou menor impacto para a perda de produção estimada, conforme se pode ver no exemplo da figura 3. Mais uma vez se salienta aqui a importância de avaliar a disponibilidade do aerogerador em termos de produção e não, apenas, disponibilidade de tempo.
Figura 3 – Ocorrências, duração e produção estimada perdida (exemplo fictício)
Para parques eólicos com um número significativo de aerogeradores, este tipo de análise torna-se útil do ponto de visto de
gestão da operação, uma vez que permite identificar o aerogerador que mais contribui para a perda de receita. Através de uma análise mais minuciosa, é mesmo possível identificar a possível causa da operação anómala do aerogerador.
Como exemplificado na figura 4, a categorização dos eventos durante a operação do aerogerador permite a estimativa da energia que seria expectável que o aerogerador produzisse, para um determinado período, com base numa curva de potência média considerando apenas os dados de operação normal (curva de potência azul) e o histograma de frequências observado. Do mesmo modo, é possível calcular a energia produzida pelo mesmo aerogerador, com base na curva de potência média considerando, neste caso, todos os dados de operação (curva de potência verde), para o período homólogo e o histograma de frequências. O rácio entre a energia expectável e a produzida resulta num indicador de desempenho do aerogerador, em função da sua produção, para o período em apreciação.
Figura 4 – Curvas de potência (exemplo fictício)
Considera-se desta forma, que uma análise completa se baseia numa complementaridade entre a disponibilidade com base no tempo de operação do aerogerador e os indicadores que se baseiam na disponibilidade em termos de produção e o fator de capacidade.
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Consultoria | Energia Eólica
Referências
1 IEC 61400-26-1, First edition 2019-05, Wind turbines – Part 26-1 Availability for wind energy generating systems. This first edition cancels and replaces the IEC/TS 61400-26-1:2011, IEC/TS 61400-26-2:2014 and IEC/TS 61400-26-3:2016.
2 As series de reanálise atmosférica são uma descrição temporal e geográfica do clima, produzida através da combinação de modelos com observações, contendo estimativas de quantidades para vários parâmetros meteorológicos.